sábado, 31 de janeiro de 2009

Brasil vs Itália

Celeuma injustificada a criada pelo “caso Battisti” e a atitude de bufão tomada pelo governo chefiado por Silvio Berlusconi. Pelo menos aproveitei a chance para estudar sobre o tema antes de me arriscar a escrever algumas linhas. A maioria dos analistas não faz segredo da passionalidade de suas analises e transformaram o caso numa disputa partidária, ou pior, futebolística.




Para adentrarmos em tal terreno pantanoso é preciso deixar claro que o PIG se posicionou nessa contenda a favor da Itália, isso não é espanto, metamorfoseando uma questão que sequer é diplomática, mas sim de natureza jurídica, em embate ideológico. Não tem poupado esforços para comparar o caso Battisti ao dos pugilistas cubanos que após o Pan do Rio em 2007 foram mandados de volta a Cuba. Nesse caso criam descaradamente uma situação que nunca existiu. Na realidade os dois pugilistas foram ludibriados por um empresário que lhes garantiu, caso abandonassem a delegação de seu país, um bom contrato. Ao perceberem que tinham caído no conto do vigário decidiram retornar a Cuba. Em momento algum foi provado que ambos, ou um que fosse, pediram asilo político ao Brasil. E aqui cabe um adendo, a Polícia Federal teria tentado demovê-los da decisão de retorno a Ilha.

Já outra parcela da imprensa empresarial, que chamarei de imprensa “progressista” – reparem bem no termo, progressista, não esquerdista e, como é empresarial, nunca pôde ser considerada alternativa –, também se apoderou da questão e aproveitou para esmiuçar o governo Lula e ... eureca!!! descobriu que o governo Lula não é de esquerda. Essa parcela tem como veículo mor a revista Carta Capital, fundada e dirigida pelo ítalo-brasileiro Mino Carta, que já declarou apoiou incondicional a pretensão italiana de ter Battisti de volta a Bota. Para essa imprensa progressista é contraditório dar asilo político a um ex-terrorista de esquerda e ao mesmo tempo não mover palha alguma para julgar os terroristas de direita que agiram em nome do estado durante a Ditadura Militar.

Pois bem. No imbróglio do caso Battisti alguns pontos têm que ser rememorados e esclarecidos para não cairmos em contradição e nos ajudar a elucidar os fatos.

Muito embora o Estado italiano na década de 1970 e parte da seguinte estivesse em “guerra” contra o “terrorismo de esquerda” – não gosto dos termos entre aspas – não havia naquela península estado de exceção. A Itália combateu os “terroristas” sem precisar alterar sua Constituição. Portanto nosso ministro da Justiça, Tarso genro, mostrou-se equivocado ao afirmar que havia um estado de exceção na Itália quando Battisti foi julgado e condenado.

Tarso Genro também se equivocou ao comparar o caso de Cesare Battisti ao de Salvador Cacciola. Cacciola depois de dar um tombo da ordem de R$1,5 bilhão no Banco Central brasileiro e ter conseguido junto ao STF, através do ministro Marco Aurélio de Melo, um habeas corpus, mudou de mala e cuia para a Itália. Após o que teve a extradição negada por diversas vezes por um motivo simples: Cacciola possuí cidadania italiana. A justiça italiana agiu de forma correta ao não extraditar um concidadão – pelo menos de acordo com a jurisprudência internacional. Nenhum país extradita seus cidadãos. Salvo exceção feita à Colômbia que os extradita para os EE.UU.em caso de acusação de narcotráfico.

Dito isso vem agora outros fatos.

O fato da Itália não viver em estado de exceção durante as décadas de 1970-80 é pouco para concluir que o julgamento de Battisti não tenha sofrido inúmeros vícios.

Inicialmente condenado a 12 anos e 10 meses de reclusão e cinco meses de detenção pelos crimes de uso de documento falso, porte de documento falso, posse de espelhos para falsificação de documentos e participação em organização criminosa. Essa condenação transitou em julgado em 20 de dezembro de 1984. Battisti fugiu da Itália indo morar no México e depois na França. Após 10 anos sofreria outro processo, esse à revelia. O fato marcante que levou a justiça italiana a outro processo e julgamento foi à confissão sob forma de delação premiada de Pietro Mutti. Os advogados de Battisti no "processo reaberto" foram presos, e o Estado nomeou outros advogados para defender Battisti. A defesa, no entanto, foi feita com base em procuração falsificada. Exame grafotécnico posterior comprova isso. O processo resulta em condenação à prisão perpétua sem direito a luz solar. Tudo isso apenas com base no depoimento do "arrependido" Mutti. Chegou-se ao cúmulo de condená-lo por dois homicídios ocorridos no mesmo dia, quase na mesma hora, em cidades separadas por centenas de quilômetros (Udine e Milão).

Aliás, a justiça italiana durante as década de 1980 tornou-se celebre pelos excessos cometidos contra réus que se supunham integrantes de organizações terroristas. Claramente uma perseguição política.

Posto isso, o Brasil concedeu asilo a Cesare Battisi e não o extraditou de volta a sua terra natal baseando-se numa política de estado e não de governo como muitos “analistas” insistem em repetir. Segundo essa política de estado o Brasil dá asilo a estrangeiros que sejam alvo de perseguições de natureza política. Por sua vez essa política de estado está amparada na tradição de nossas instituições e na legislação nacional. A própria Procuradoria Geral da República se pronunciou em prol da justeza técnica da decisão do ministro Tarso Genro.

Há ainda o fato de o Brasil extraditar estrangeiros acusados de crime comum desde que o país requerente se comprometa a aplicar pena compatível com as leis existentes aqui. Portanto mesmo que o Brasil tratasse Battisti como criminoso comum restaria a Itália se comprometer em rever a pena aplicada, pois a legislação brasileira não prevê prisão perpétua sem direito a luz solar. Todavia a Itália permanece imutável na decisão de punir exemplarmente Battisti.

O que querem o Estado italiano, o PIG e parte da imprensa progressista, que rasguemos nossa legislação e nos humilhemos diante da Itália?

Ontem à noite minha insônia me pregou das suas. Ao mudar aleatoriamente de canal de TV ouvi de um desses “analistas” num telejornal noturno – não vale à pena gastar meu tempo escrevendo o nome do “analista” e nem do telejornal – afirmando que o Brasil com essa decisão tornava-se uma republiqueta de bananas. Republiqueta de bananas será caso nos curvemos ao desejo da Itália.

No mais essa discussão só tomou corpo na Bota porque está sendo usada para distrair a atenção dos italianos de problemas mais complexos. A Itália enfrenta uma crise política de tal porte que não consegue se afastar do caricato Berlusconi, sempre chamado de volta ao poder por falta de alternativas concretas. Temos também a crise do modelo econômico por décadas defendido por Berlusconi e seus pares, sendo que o primeiro ainda flerta com o fascismo. Na península Itálica o crescimento do PIB em 2007 foi de apenas 1,9%, abaixo do registrado nos demais países da Zona do Euro, que ficou em 2,5% e mais distante ainda da média da União Européia, 2,8%. Há ainda a xenofobia que volta com força ao Velho Continente usando principalmente árabes, latino-americanos e africanos como bodes expiatórios para a mazela social criada por anos a fio de neoliberalismo.

É nesse contexto que se enquadra a teimosia italiana em não reconhecer a soberania brasileira e a leva a gestos bufões como chamar seu embaixador a Roma ou aventar a hipótese de cancelar o amistoso caça-níqueis entre as seleções de futebol dos dois países . A Itália do governo Berlusconi no seu arrombo reacionário vê o Brasil como um país subdesenvolvido que se recusa a entregar-lhe a cabeça dum representante de ideologia contrária. Nada mais, nada menos.

http://dissolvendo-no-ar.blogspot.com/2009/01/brasil-vs-italia.html

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